sábado, 21 de março de 2009

11º dia: Tentações

"E quarenta dias foi tentado pelo diabo, e, naqueles dias, não comeu coisa alguma, e, terminados eles, teve fome.
E disse-lhe o diabo: Se tu és o Filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão."
Lucas 4, 2-3


Nos quarenta dias que Jesus permaneceu no deserto, jejuando, o Diabo foi tentá-Lo com todos os argumentos que conseguiu. Na nosso deserto sem Coca, o tentador aparece sob várias facetas e, a que mais adora, é a das pessoas mais próximas a nós.

Talvez a pessoa que mais esteja sofrendo, além dos três que aqui escrevem, da falta de Coca seja a minha namorada. Isso se dá porque ela só toma quando está comigo e, como estou nessa cruzada para me livrar do vício, ela acabou entrando na dança sem querer. E é com esse espírito vingativo que ela passou a me tentar.

"Vou fazer você beber Coca antes desses 40 dias acabarem". Foi com esta frase que minha vida passou a se tornar um inferno. Na falta de um argumento melhor - como derrubar o Filho de Deus da história original - ela se utilizou do fato de não beber Coca sem mim para me fazer sofrer. De princípio achei que ela estava brincando, afinal ela sempre apoia minha loucuras, mas logo ela provou que eu estava enganado.

No dia que fomos à pizzaria e acabei tomando aquele suco nojento de manga
, ela começou. Antes de pedir o dito suco, fiquei naquele impasse: pegar ou não pegar? Foi quando a tentação apareceu pela primeira vez: "Pega uma Coca. Ninguém vai ver mesmo." Olhei horrorizado pra ela. Esperava aquilo de qualquer pessoa, até da minha mãe, mas não dela. Notando meu espanto, tentou se corrigir: "Então pega outro refrigerante. Uma Sprite. A idéia é parar com a Coca, né?". Foi como se eu visse, naquele momento, Eva me oferecendo o fruto proibido enquanto a Serpente sorria em seus ombros. E com o argumento que derrubou Adão: a dúvida. A lógica estava certa, afinal Sprite não é Coca e, como todos estão cansados de saber, é do líquido negro que estamos tentando nos livrar. Estava quase aceitando quando pensei: se alguém está tentando largar o cigarro e então fuma um baseado, está errado, não? Maconha não é cigarro, mas é tudo a mesma merda. Com este breve insight divino, recusei e caí no erro de pegar o maldito suco de manga, mas dos males, o menor.

Apesar de tudo, não fiquei chateado com ela por causa disso, tanto que no dia seguinte decidi fazer algo por ela, já que, às terças, o seu dia é incrivelmente corrido, saindo do estágio desesperada para pegar o ônibus e ainda chegar atrasada na faculdade. Com esse horário totalmente apertado, não sobre tempo pra comer nada e ela tem de ficar o dia inteiro apenas com o almoço no estômago. Então decidi ajudar ao menos nisso: comprando algo para ela não morrer de fome.

Quando cheguei na lanchonete e pedi um salgado e uma Coca, doeu-me a alma, já que há mais de uma semana que eu não pedia isso para ninguém. Era um dia absurdamente quente e, como se não bastasse estar ali comprando aquela Coca para não poder tomar, a vendedora me olha e diz: "Meu Deus!!! Que Coca gelada!". Sério, sem sacanagem, a desgraçada realmente falou isso. Tudo bem que tem uma foto minha sorridente neste blog, mas duvido que ela leia isso aqui, tenha me reconhecido e feito isso pra me zoar. Se for, ao menos fico orgulhoso por ser famoso pela minha desgraça. Quase como os Nardoni, só que sem jogar ninguém da janela.

Encontrei minha namorada e entreguei o salgado com a Coca. Além de tentar ajudá-la, aquilo era um teste pessoal. Eu seria capaz de vê-la tomando uma Coca que eu comprei e negar quando ela me oferecesse? Ela pediu para que eu abrisse a lata e quase chorei. Ela realmente estava muito gelada e, quando puxei o anel da lata e ouvi aquele "PSHHHHHH", com pequenas gotas de refrigerante molhando meus dedos, senti minhas pernas tremerem. Forcei um pouco mais e o "PLOC" da lata abrindo me fez relembrar os velhos tempos de alegria.

Há uma cena clássica em livros sobre vampiros em que a criatura fita com tanto desejo e pescoço de sua vítima que não percebe o que acontece à sua volta, a ponto de conseguir perceber a corrente sanguínea passando pelas veias que em breve morderá. Foi assim que me senti no momento em que minha namorada começou a tomar aquela Coca. Ela conversava comigo e a única coisa que eu conseguia prestar a atenção era o fluxo de Coca indo da lata para a sua boca atrás daquele canudo quase transparente. Deveras tentador.

Ela percebeu meu real interesse e novamente fez a proposta, dizendo que ninguém iria ver. Era um convite à perdição, mas eu não podia fazer isso. Como eu iria encarar meus amigos sofrendo após ter bebido daquilo que me comprometi a ficar longe? Como manteria este blog? Com mentiras? Ela riu com meus argumentos e jogou fora a lata vazia. Eu sabia que ela não desistiria. Ainda tinha 30 dias pelas frente.

Um comentário:

  1. Hahahah eu ri muito com esse post uma vez em que na minha jornada de um ano sem coca minha irmã pediu para eu abrir a coca e a coca caiu na minha mão e eu tive que lavar aquilo foi a coisa mais torturante pela qual eu já passei

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